UM HERÓI DA GUERRA DO PARAGUAI ESQUECIDO DE NOSSA HISTÓRIA.
Na madruga de 23 de julho de 1925, Luciano Lemes morreu de frio nas
escadarias da Cadeia Pública da cidade de Cruz Alta. Senhor de tenra
idade, rosto avermelhado e envelhecido, barba grisalha e andar lento,
Luciano era um ex-combatente da Guerra do Paraguai(1865-1870).
Conhecido na comunidade por narrar suas histórias sobre o campo de
batalha, o veterano, acompanhado de seus cães, caminhava pelo centro
da cidade e no largo da Catedral do Divino adquirindo roupas,
comidas, bebidas e alguns trocados.
A morte do velho soldado espalhara-se ao amanhecer e causou certa
comoção na cidade. Por pena, arrependimento ou remorso algumas
pessoas compareceram no local ascendendo velas e orando; a imprensa,
a mesma que cobrava da polícia e do governo municipal ações para
deter a presença de pessoas pobres nos espaços do centro,
qualificou Luciano como verdadeiro patriota. Um homem que bravamente
lutou nos campos paraguaios pela sua terra, mas suas qualidades foram
cruelmente esquecidas.
A trajetória de Luciano Lemes no conflito mais violento da América
do Sul, iniciou quando alistou-se em uma das milícias e Corpos de
Voluntários organizados na sede e nos distritos de Cruz Alta. Como,
por exemplo, o Corpo de Voluntários mobilizado pelo Tenente-Coronel
João Batista Vidal de Almeida Pillar, em 1865, e a 4° Divisão de
Cavalaria comandada pelo Brigadeiro José Gomes Portinho, em 1866.
Tais divisões da Guarda Nacional marcharam para a fronteira oeste
com o objetivo de expulsar as tropas paraguaias das cidades de São
Borja, Itaqui e Uruguaiana. Cercados nos banhados e nos capões da
região, os soldados paraguaios foram derrotados no combate do Butuí.
Além do entusiasmo e da euforia característicos do inicio de uma
guerra, Luciano e outros jovens pobres do país buscaram no
alistamento a rara oportunidade de melhorar de condição de vida.
Para mobilizar as pressas uma força militar, diga-se passagem
despreparada, capaz de enfrentar o exército do Paraguai, o governo
imperial prometeu aos voluntários e milicianos soldos, gratificações
diárias, doação de terras, bonificações por atos de heroísmo
nos combates, pensões a viúvas, órfãos e combatentes com traumas
físicos, e, possibilidades de seguir a carreira militar ou em órgãos
públicos.
De volta ao Brasil, entre os anos 1869-1870, Luciano não foi
recebido com honras e agradecimentos por sua bravura. Encontrou um
país em crise endividado com a guerra e um índice inflacionário
bastante acelerado. A gleba de terra, as gratificações e o emprego
público prometidos pelo governo durante a formação dos Corpos
Provisórios na cidade, Luciano nunca recebeu. Desse modo, a miséria
aprofundara-se. Durante 56 anos, o veterano aguardou ansioso o
pagamento dos soldos por parte do Comando Militar de Porto Alegre.
Todavia, seu nome nunca constava na relação dos beneficiados.
Abandonado pelo Estado, não restou outra alternativa ao velho
combatente senão sobreviver de atividades informais e mal
remuneradas os chamados “bicos”. Sem família, residência e
perspectiva de vida, a bebida, o cigarro e a morfina, tornaram-se as
formas apropriadas para fugir da dura realidade. Tais substâncias,
também usadas nos campos pantanosos da guerra, ajudavam Luciano a
suportar as dificuldades materiais, as mágoas, as decepções, as
dores da alma e do corpo, e, as indiferenças da sociedade.
Hostilizado pela opinião pública por ser morador de rua,
frequentemente era detido pela polícia ou internado de forma
compulsória em hospitais e manicômios do estado.
O desprezo parece ser o modo do Estado brasileiro e da sociedade
civil tratarem os veteranos da Guerra do Paraguai e de outros
conflitos armados que o país envolvera-se ao longo da História. Ao
contrário de Luciano Lemes que viveu abandonado e pobre, os oficiais
da Guarda Nacional, oriundos de famílias estancieiras e
politicamente influentes, foram reconhecidos como heróis e receberam
do Império terras as margens dos Rios Uruguai, Ijuí e Conceição
como forma de pagamento por seus serviços a pátria.
0 Comentários:
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial