Fabrício Renner de Moura

Graduado e Mestre em História, e, Especialista em Campo Social:práticas/saberes. Nesse espaço busco revisitar discussões e interpretações sobre História regional e local, assim como outras dimensões historiográficas.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

UM HERÓI DA GUERRA DO PARAGUAI ESQUECIDO DE NOSSA HISTÓRIA.

 Na madruga de 23 de julho de 1925, Luciano Lemes morreu de frio nas escadarias da Cadeia Pública da cidade de Cruz Alta. Senhor de tenra idade, rosto avermelhado e envelhecido, barba grisalha e andar lento, Luciano era um ex-combatente da Guerra do Paraguai(1865-1870). Conhecido na comunidade por narrar suas histórias sobre o campo de batalha, o veterano, acompanhado de seus cães, caminhava pelo centro da cidade e no largo da Catedral do Divino adquirindo roupas, comidas, bebidas e alguns trocados.
A morte do velho soldado espalhara-se ao amanhecer e causou certa comoção na cidade. Por pena, arrependimento ou remorso algumas pessoas compareceram no local ascendendo velas e orando; a imprensa, a mesma que cobrava da polícia e do governo municipal ações para deter a presença de pessoas pobres nos espaços do centro, qualificou Luciano como verdadeiro patriota. Um homem que bravamente lutou nos campos paraguaios pela sua terra, mas suas qualidades foram cruelmente esquecidas.
A trajetória de Luciano Lemes no conflito mais violento da América do Sul, iniciou quando alistou-se em uma das milícias e Corpos de Voluntários organizados na sede e nos distritos de Cruz Alta. Como, por exemplo, o Corpo de Voluntários mobilizado pelo Tenente-Coronel João Batista Vidal de Almeida Pillar, em 1865, e a 4° Divisão de Cavalaria comandada pelo Brigadeiro José Gomes Portinho, em 1866. Tais divisões da Guarda Nacional marcharam para a fronteira oeste com o objetivo de expulsar as tropas paraguaias das cidades de São Borja, Itaqui e Uruguaiana. Cercados nos banhados e nos capões da região, os soldados paraguaios foram derrotados no combate do Butuí.
Além do entusiasmo e da euforia característicos do inicio de uma guerra, Luciano e outros jovens pobres do país buscaram no alistamento a rara oportunidade de melhorar de condição de vida. Para mobilizar as pressas uma força militar, diga-se passagem despreparada, capaz de enfrentar o exército do Paraguai, o governo imperial prometeu aos voluntários e milicianos soldos, gratificações diárias, doação de terras, bonificações por atos de heroísmo nos combates, pensões a viúvas, órfãos e combatentes com traumas físicos, e, possibilidades de seguir a carreira militar ou em órgãos públicos.
De volta ao Brasil, entre os anos 1869-1870, Luciano não foi recebido com honras e agradecimentos por sua bravura. Encontrou um país em crise endividado com a guerra e um índice inflacionário bastante acelerado. A gleba de terra, as gratificações e o emprego público prometidos pelo governo durante a formação dos Corpos Provisórios na cidade, Luciano nunca recebeu. Desse modo, a miséria aprofundara-se. Durante 56 anos, o veterano aguardou ansioso o pagamento dos soldos por parte do Comando Militar de Porto Alegre. Todavia, seu nome nunca constava na relação dos beneficiados.
Abandonado pelo Estado, não restou outra alternativa ao velho combatente senão sobreviver de atividades informais e mal remuneradas os chamados “bicos”. Sem família, residência e perspectiva de vida, a bebida, o cigarro e a morfina, tornaram-se as formas apropriadas para fugir da dura realidade. Tais substâncias, também usadas nos campos pantanosos da guerra, ajudavam Luciano a suportar as dificuldades materiais, as mágoas, as decepções, as dores da alma e do corpo, e, as indiferenças da sociedade. Hostilizado pela opinião pública por ser morador de rua, frequentemente era detido pela polícia ou internado de forma compulsória em hospitais e manicômios do estado.
O desprezo parece ser o modo do Estado brasileiro e da sociedade civil tratarem os veteranos da Guerra do Paraguai e de outros conflitos armados que o país envolvera-se ao longo da História. Ao contrário de Luciano Lemes que viveu abandonado e pobre, os oficiais da Guarda Nacional, oriundos de famílias estancieiras e politicamente influentes, foram reconhecidos como heróis e receberam do Império terras as margens dos Rios Uruguai, Ijuí e Conceição como forma de pagamento por seus serviços a pátria.



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