Fabrício Renner de Moura

Graduado e Mestre em História, e, Especialista em Campo Social:práticas/saberes. Nesse espaço busco revisitar discussões e interpretações sobre História regional e local, assim como outras dimensões historiográficas.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Saneamento e exclusão urbana em Cruz Alta no início do século XX.

No dia 1º de agosto de 1910, o intendente Firmino Paula Filho, após muitas reclamações dos grupos endinheirados, criou o Regulamento de Limpeza Pública para os limites urbanos de Cruz Alta. A partir desta data, as residências e os estabelecimentos comerciais da rua do Comércio (hoje Pinheiro Machado) e de suas travessas (ruas Mariz e Barros, Gal. Osório, Maurity, João Manoel, Andrade Neves, Gal. Pillar, Sete de Setembro e Coronel Martins) foram obrigados a depositar lixos e dejetos (fezes e urina) nos cubos de madeira recolhidos duas vezes por semana pelas carroças da intendência. Vale ressaltar, que até então a população costumava acumular a sujeira nos quintais das casas e nas vias públicas.


Mesmo com a resistência dos moradores e com os atrasos no recolhimento dos dejetos pela intendência, o referido ato buscou regular as práticas higiênicas e minimizar os graves problemas de uma cidade despreparada para o crescimento populacional. Contudo, é um equivoco considerar que todas as áreas do ambiente urbano de Cruz Alta tenham sido contempladas pelo serviço de higiene.


A exemplo da limpeza urbana, outras obras públicas realizadas ao longo do século XX (eletricidade, empedramento de ruas, construção de calçadas e arborização de logradouros), limitaram-se somente nas ruas do centro, justamente no espaço de domicílio, de convívio, de lazer e de coméricio das elites cruzaltenses.


Enquanto isso, a população pobre, pressionada pelas reformas urbanas e com renda insuficiente para pagar aluguéis e impostos a municipalidade, passou a ocupar os arredores do centro, como os bairros da capoeira, do barro preto e da ferroviária, as encostas das linhas férreas que cortavam a zona urbana e as imediaçoes do cemitério municipal. Nessas ruas faltavam os serviços básicos de higiene, sendo comum depositarem seus dejetos em fossas cavadas nos fundos dos quintais. Nos dias secos, as ruas sem calçamento e esburadas levantavam uma incomoda poeira avermelhada que invadia as casas, e em épocas de chuva o trânsito de pessoas e de carros era uma aventura, graças ao barro.


A luminosidade vinha de velas que perpassavam pelas frestas das casas de taboas, com telhados de palhas e piso de chão batido. Nos dias de frio e de umidade as condiçoes pioravam, debilitando a saúde dos moradores. Quanto a alimentação, a criação de animais (galinhas e porcos), ajudava os populares a enfrentar os longos periodos da carestia de arroz, pão, carne e açúcar. Indiferente a estas condiçoes, a intendência proibiu a construção de potreiros e de chiqueiros nos limites urbanos, sob a alegação de que muitos animais perambulavam pelas ruas, e também por ser um hábito rural, divergente ao modelo moderno de cidade que os letrados cruzaltenses tantos desejavam consolidar.


Como se vê, as intervenções urbanas limitaram-se as regiões do centro, enquanto os bairros não receberam qualquer investimento da intendência. Na visão da opinião pública local, os pobres eram o símbolo do atraso e de doenças e, assim deveriam ser expulsos e excluídos das ruas emblemáticas da cidade. Detentores dos meios institucionais (multas e perseguição policial) e de divulgação da época (imprensa, produçoes literárias e históricas), as elites não apenas coagiram e intimidaram a população desfavorecida, mas tentaram a todo o custo abafar as vozes advindas dos bairros miseráveis e insalubres que coexistiam na Cruz Alta afrancesada.

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